segunda-feira, 28 de abril de 2008

Movano

Entre o troar dos motores dos Ferraris vermelhos, ouço o Malcolm McLaren a dizer baboseiras sobre Paris. Há fumo e borracha no ar e estou até algo excitado. Ora aí está uma surpresa. Estou vestido de negro, cheio de sentimentos negros, mas a cheirar divinamente. Por trás dos óculos escuros Gucci, ao lado do príncipe Karl Von Orbach, sinto-me capaz de tudo. É o som infernal dos motores, o vento que sopra entre as árvores, a música que parece nascer do próprio ar, é o que se passa no meio das minhas pernas. Chama-se a isso vida. O forte sotaque alemão ao meu lado sorri apenas levemente. Mais champagne. Mais Ferraris. Não gosto de Ferraris, fazem-me pensar em jogadores de futebol e sheikhs árabes. O 612 Scaglietti vermelho sorri para mim e não lhe consigo resistir. O maior sonho da minha vida é destruir um Ferrari novinho em folha. Porque não agora? O príncipe ri, as meninas gritam e batem palmas enluvadas. Estou na República de Saló. Quando entro no carro, ainda sinto a dor mitigada do outro acidente, mas isso só me faz sorrir. Juliette Greco e Miles Davis na cama em Paris? Miles and Miles and Miles of Miles Davis... Ah, Malcolm McLaren. Ao toque da minha mão, desperta o V12 da máquina italiana, 540 cavalos selvagens às minhas ordens, para a minha destruição, ou será para a minha satisfação? Estou vestido de negro. Toda a gente está vestida de negro. O Ferrari dispara, deixando um rasto de cascalho a pairar no ar cinzento da manhã. O demónio chegou ao Lago Como e conduz comigo pelas estradas estreitas. Acelero. Acelero mais e mais ainda. O rugido é infernal e sei que posso voar. Não gosto de Ferraris. Travo. À minha volta tudo se transforma num borrão indistinto. Estou vestido de negro. O príncipe Von Orbach ri, ecoando pelo parque o seu frémito teutónico ancestral. O miúdo tem pinta. As rodas de trás do Ferrari saem da estrada e levam o resto do carro consigo, num alegre bailado de chapa e carne. A minha. Sei que posso voar. Estou a voar. Ouço, lá bem longe, vidros a desfazerem-se, metal a dobrar e o Malcolm McLaren a cantar banalidades sobre Paris. Mais tarde, enquanto como uma tosta de caviar com ostras, sinto um pequena dor algures dentro do meu peito. Já não estou vestido de negro. À minha frente, a Catherine Deneuve fala com o seu namorado brasileiro de 24 anos. Paris, Paris...?

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